O 'sotaque' é a forma como se pronunciam palavras em um idioma. Ele tem variantes próprias, de acordo com a região do país, as características do grupo de falantes, a classe e a etnia, o sexo ou a idade. E não vem sozinho: acompanham o sotaque os dialetos, um conjunto de marcas semânticas e lexicais da língua (as escolhas de linguajar de uma região específica).
No Brasil, de Norte a Sul do país, há uma variedade imensa de léxicos e sotaques, cujas diferenças encontram sua justificativa no peso que influências culturais e históricas diversas tiveram na formação regional.
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Um país de proporções continentais, o Brasil foi colonizado por diferentes grupos de estrangeiros: de holandeses e portugueses, no período colonial, a italianos e alemães, na primeira metade do século 20, além dos povos nativos que já habitavam a região muito antes da chegada dos europeus. Disso se dá a variedade de suas formas de falar, com pelo menos cinco variações geográficas e regionais marcantes.
No Norte do país, os sotaques amazofônicos são altamente marcados por influências indígenas (como os tupi-guaranis, as línguas da família arawak e karib) e por heranças espanholas e portuguesas. É um sotaque caracterizado por pronúncia clara de vogais finais, como "e" e "o", sons mais abertos e sílabas claras (que dá o aspecto de "cantado"), com entonação melódica; e, em alguns lugares, como o Pará, chia-se o "s" no fim das palavras.
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No Nordeste do Brasil, por sua vez, a colonização holandesa, por meio dos empreendimentos açucareiros, legou a estados como Pernambuco uma pronúncia forte do "r", que é marcada como nas línguas germânicas: uma pronúncia "gutural", sobretudo no início das palavras, e mais vibrante do que no restante do país.
Há pelo menos três variações de dialetos na região: aquela do interior nordestino, que a maioria dos estados compartilha, é caracterizada por não modificar as consoantes e vogais pela articulação bucal, o que dá à pronúncia algo de forte e "aberto", não anasalado; o subdialeto oriental, que ocorre na faixa litorânea do Nordeste, é marcado por uma maneira de falar mais rápida; e o subdialeto ocidental, um meio-termo entre a modificação da pronúncia de vogais e consoantes e sua não palatalização (articulação bucal que muda a fonética).
Os cariocas também marcam o "r": é uma herança portuguesa vinda de outra influência, a sa. Os portugueses chiavam o "s" e, imitando os ses, "escarravam" o "r", o que deu aos cariocas seu modo específico de fala.
Em Minas Gerais, por outro lado, o modo de falar "cantado" e abreviado, que "come" sílabas das palavras, é uma herança de modos de falar africanos, misturados ao dialeto português e à fala indígena. O altoamento de vogais, o ritmo acentuado em que as sílabas tônicas são mais longas que as átonas e a "palatalização" de palavras, que "suprime" sílabas (Belo Horizonte se torna "Bel'zonte"), são fruto dessa mistura.
Em São Paulo, com variedade de sotaques "caipiras" no interior, há uma interligação, novamente, entre as heranças de contribuições indígenas, sobretudo tupis, o sotaque português e as influências de ainda outros grupos de imigrantes, como os italianos.
Ao longo dos anos 1930, a comunidade italiana floresceu em São Paulo (chegou a representar 50% da população da capital) e inaugurou lá uma variedade de "r" diferente do dialeto caipira (o "r" que dobra): o "r" da capital paulista é feito com a língua tremida atrás dos dentes, mas sem dobrá-la por completo, o que o torna mais direto. Já o "r" retroflexo, do dialeto caipira, ficou para as regiões no entorno da capital.
No Sul do país, além dos italianos, havia uma presença notável de germânicos, portugueses da Madeira e dos Açores, espanhóis e alemães. As marcas específicas de cada estado, como a dos gaúchos, podem ser explicadas por seus dialetos comuns: no Rio Grande do Sul, onde vigora o dialeto guasca, foi a influência, sobretudo, dos espanhóis (além dos vizinhos fronteiriços na América do Sul) aquilo que deu origem a seu léxico e à fonologia de seu sotaque.
O uso de "tu" para se referir à segunda pessoa (em vez de "você" ou "cê", mais comuns em Minas Gerais e São Paulo), a ausência da última vogal nas palavras que terminam com "e" (como "leite") e a "contração" do som do "a", que se torna mais nasal, são exemplos da influência do espanhol rioplatense.
Mas, em outras partes do estado, é possível ver a variação inspirada pela tradição hunsriqueana, uma língua falada entre colonos alemães; ou do talian, a variação falada pelos colonos vênetos do estado, considerados dialetos nativos.