Nesta terça-feira (10), Jair Bolsonaro compareceu ao Supremo Tribunal Federal não como um cidadão comum, mas como um ex-presidente buscando a todo custo reescrever a sua biografia diante da maior e mais grave acusação que já enfrentou: a de liderar uma conspiração para subverter a ordem democrática no Brasil.
Entretanto, no plenário da Corte, não optou por uma defesa técnica e contida, apostando as suas fichas em um discurso político travestido de depoimento jurídico em uma tentativa de transformar o banco dos réus em palanque, ratificando o típico recurso de "líderes" populistas quando postos em xeque.
Conforme era esperado, Bolsonaro negou veementemente qualquer intenção golpista, repetindo incansavelmente que nunca cogitou atentar contra a democracia ou que tenha compactuado com uma ruptura institucional, garantindo que toda a narrativa construída contra ele é produto de uma perseguição política.
"Nunca houve hipótese de golpe no meu governo", declarou. De forma previsível, carregou no tom de indignação, dando uma feição quase teatral às respostas mais direcionadas à sua base de apoiadores do que aos próprios ministros da Corte. Porém, por mais que tenha tentado, destaque-se, a sua indignação colidiu, em cada detalhe, com elementos robustamente documentados nos autos.
Em depoimento, o tenente-coronel Mauro Cid, atualmente colaborador da Justiça, afirmou que Bolsonaro não só teve o a uma minuta que previa a prisão do presidente do TSE e a convocação de novas eleições, como também a leu, sugeriu alterações e a direcionou para análise. Some-se a tais dados, os registros de reuniões com militares, movimentações de tropas e uma insistente retórica de desconfiança em relação às urnas eletrônicas, construída ao longo de anos, apesar de ele mesmo, Jair Bolsonaro, e todos os seus filhos, terem sido eleitos justamente pelo sistema que, sem provas factuais, insistem em questionar. O tratamento de todos esses fatores como meras especulações não é apenas uma estratégia de defesa, mas um insulto à inteligência institucional da sociedade brasileira.
Bolsonaro tentou, em vão, estruturar a sua linha argumentativa sob o manto da liberdade de expressão. Segundo ele, criticar o sistema eleitoral, ainda que de forma contundente, não configura crime. Porém, apesar da liberdade de expressão ser um pilar da democracia, ela não cobre ações que, quando articuladas com agentes públicos e integrantes das Forças Armadas, buscam desacreditar um resultado eleitoral legítimo.
Não cabe aqui o desgastado discurso de que se trata de punir opiniões, mas, sim, compreender o encadeamento de atos, declarações e omissões que, em seu conjunto, alimentaram o clima para o que culminou nos inaceitáveis ataques do 8 de janeiro. Sobre esse episódio, aliás, Bolsonaro optou pela linha do afastamento físico, declarando, de forma rasa, que estava nos Estados Unidos e, logo, não poderia ser responsabilizado pelos ataques.
Evidentemente, a sua ausência geográfica não o isenta de responsabilidade política e moral. O levante que resultou na depredação das sedes dos Três Poderes não foi um surto coletivo imprevisível. Foi alimentada e "justificada" por meses de ataques verbais ao processo eleitoral, às instituições e à legitimidade do próprio Supremo.
Outro ponto que escancarou as contradições do ex-presidente foi a sua tentativa de deslegitimar a delação do seu ex-ajudante de ordens, classificando-a como “contraditória”, “sem provas” e “vingativa”. No entanto, a sua própria defesa não conseguiu desmontar os principais pontos levantados por Mauro Cid, ou sequer apresentar outra versão dos fatos que se sustente com a mesma força probatória. Atacar o delator é um caminho comum quando não se consegue refutar o conteúdo da delação.
Adicionalmente, Bolsonaro e sua defesa insistiram em questionar a competência da Primeira Turma do STF para julgá-lo, alegando que o caso, por sua magnitude, deveria ser levado ao plenário completo. Trata-se de mais uma tentativa de ganhar tempo e politizar o processo. O regimento da Corte é claro quanto à atribuição das turmas, e os próprios ministros já rechaçaram o argumento por maioria. O objetivo aqui parece menos jurídico e mais simbólico: sugerir que há uma tentativa de condená-lo “às escondidas”, discurso que ecoa entre seus apoiadores.
Por fim, o que mais chama atenção no depoimento de Bolsonaro é a sua tentativa de manter um pé em cada lado da história. O ex-mandatário apela para as vestes institucionais, que não lhe cabem, defende a Constituição e se diz vítima de perseguição. De outro, continua lançando farpas contra o sistema, ironiza a Corte e mantém aceso o discurso de que o Brasil vive um estado de exceção. Essa ambiguidade friamente calculada tipifica lideranças autoritárias que operam dentro da democracia enquanto testam seus limites.
A presença de Bolsonaro no STF não foi, como deveria ser, um momento de esclarecimento técnico e autocrítico. Foi um ato político ensaiado para preservar a sua imagem diante do seu cada vez mais reduzido cercadinho que ainda o vê como vítima do sistema.
Mas os autos falam mais alto do que a retórica. Os documentos, as gravações, as atas de reuniões, as delações — tudo aponta para um projeto de poder que não aceitava a derrota nas urnas e estava disposto a tudo para revertê-la. Não serão, porém, o falso carisma, a questionável eloquência ou as acusações de perseguição que decidirão o destino de Jair Messias Bolsonaro — mas os fatos. E eles, até o momento, têm se mostrado implacáveis.
*Marcelo Avelino Copelli é jornalista, editor de Política, analista e pesquisador na área de Comunicação
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.