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    Cadeiras falsas de Maria Antonieta: aposta entre restauradores vira escândalo na França

    Fraude com móveis do século XVIII enganou até o Palácio de Versalhes e expôs falhas na política de aquisição do patrimônio francês

    Cadeiras falsas de Maria Antonieta: aposta entre restauradores vira escândalo na França.Fraude com móveis do século XVIII enganou até o Palácio de Versalhes e expôs falhas na política de aquisição do patrimônio francêsCréditos: Fotomontagem (Wikipedia)
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    O que começou como uma simples aposta entre dois especialistas virou um dos maiores escândalos de falsificação da história recente do mercado de arte francês. O antiquário Bill Pallot e o restaurador Bruno Desnoues foram condenados por produzir e vender réplicas extremamente convincentes de cadeiras do século XVIII, alegando que pertenciam à rainha Maria Antonieta.

    A fraude, que movimentou cerca de 4,5 milhões de euros (aproximadamente R$ 25,6 milhões), enganou inclusive o Palácio de Versalhes, que investiu mais de 1,5 milhão de euros (cerca de R$ 8,5 milhões) na compra de seis dessas cadeiras, acreditando que se tratavam de peças históricas originais. Após a descoberta, o escândalo resultou em uma auditoria ordenada pelo Ministério da Cultura do país e abalou a credibilidade da França como referência internacional em acervos históricos e museológicos.

    A aposta

    De acordo com o julgamento realizado no Tribunal Judicial de Pontoise, região metropolitana de Paris, entre 2008 e 2015, Pallot e Desnoues deram início ao golpe como uma espécie de brincadeira. “Dissemos que faríamos como um jogo, para ver se o mercado notaria ou não”, relatou Pallot durante a audiência.

    A dupla utilizava estruturas de madeira antigas autênticas, mas toda a ornamentação e acabamento das cadeiras era falsificada — uma técnica que permitia enganar até os testes de datação por carbono. As peças foram vendidas por meio de galerias renomadas e casas de leilão em Paris, alcançando valores altíssimos e chamando a atenção de colecionadores ricos, como um príncipe do Catar.

    Palácio de Versalhes entre as vítimas

    O Palácio de Versalhes, antiga residência real de Luís XVI e Maria Antonieta, foi uma das vítimas da fraude. O castelo adquiriu as cadeiras falsificadas acreditando que se tratavam de relíquias reais autênticas. Desnoues, inclusive, já havia prestado serviços ao patrimônio histórico francês — foi ele o responsável pela restauração da cama de Luís XVI.

    A revelação da fraude foi particularmente embaraçosa para a istração do patrimônio nacional. Em 2016, após o início da investigação policial, o governo francês determinou uma auditoria na política de compras de Versalhes.

    As condenações

    O julgamento foi encerrado nesta quarta-feira (11), com a leitura das sentenças pelo tribunal de Pontoise. Bill Pallot, de 61 anos, considerado o maior especialista mundial em móveis ses do século XVIII — e apelidado de Père La Chaise — foi condenado a quatro anos de prisão com pena suspensa; quatro meses de prisão efetiva, já cumpridos em regime de prisão preventiva; e multa de 200 mil euros (cerca de R$ 1,14 milhão).

    Bruno Desnoues foi sentenciado a três anos de prisão com pena suspensa; quatro meses de prisão preventiva já cumpridos; e multa de 100 mil euros (cerca de R$ 570 mil).

    Durante o julgamento, Desnoues declarou: “Sou apaixonado por trabalho e escultura. Nunca fui obcecado por dinheiro”. Sua esposa, também ouvida nas investigações, classificou o mercado de antiguidades como “um ambiente detestável onde os comerciantes querem lucrar a qualquer custo”.

    Detalhes do golpe

    A fraude foi descoberta em 2014, quando o Fisco francês detectou movimentações suspeitas de altos valores realizadas por um casal de baixa renda nos arredores de Paris. A investigação por lavagem de dinheiro levou à revelação do esquema das “cadeiras falsas”, que levou nove anos para ser completamente desvendado.

    Laurent Kraemer, marchand da tradicional Galeria Kraemer, que vendeu quatro das cadeiras, afirmou no tribunal que ele e sua equipe estavam “100% convencidos de que eram autênticas”. A galeria foi inocentada da acusação de negligência.

    Falsificações grosseiras

    Apesar do sucesso inicial do golpe, peritos ouvidos pelo tribunal afirmaram que os erros nas peças eram grosseiros. Uma das falhas mais notórias era a ausência de retração natural da madeira, comum em móveis realmente antigos. “Não existe crime perfeito. Também não existe falsificação perfeita”, itiu Pallot no tribunal. “Poderíamos ter feito melhor. Não somos bons falsificadores. Não fizemos a madeira retrair.”

     

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