O Conto de Genji: primeiro romance da história foi escrito há mil anos no Japão por uma mulher
Escrito por uma dama de companhia imperial no Japão do século 11, o primeiro romance da história do gênero é uma narrativa de amor proibido
Aquele que se acredita ser o primeiro romance da literatura mundial foi escrito no Japão do século 11, há mais de mil anos. O Conto de Genji (traduzido para o inglês como The Tale of Genji) foi escrito por Murasaki Shikibu (seu nome artístico), uma dama de companhia da corte imperial no período Heian (794 - 1185).
Embora seu nome real permaneça desconhecido, alguns historiadores acreditam que possa se tratar de Fujiwara Takako, mulher mencionada num diário da corte japonesa no ano de 1007.
Nascida na casa de um homem erudito, que possuía um grande volume de livros em sua biblioteca particular (o poeta Fujiwara no Tametoki, que atuava como uma espécie de enviado do governo central japonês na supervisão dos assuntos políticos de uma província), Murasaki tinha o à literatura e dedicava-se à leitura.

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Mas as obras da época eram voltadas ao consumo do sexo masculino, escritas em vocabulário culto e frequentemente inível (as mulheres japonesas não tinham o amplo à leitura e, portanto, por vezes não compreendiam a escrita vernacular mais comum entre os eruditos), e tratavam de temas dissociados de sua realidade cotidiana.
Murasaki foi uma dentre várias escritoras japonesas que se dedicaram à criação de uma literatura feminina no Japão da época: elas desenvolveram um estilo de escrita particular, que se baseava na fala, isto é, na transcrição de fonemas da língua falada. As mulheres apenas tinham permissão, no Japão imperial do século 11, para falar uma espécie de japonês informal, que não carregava traços da gramática e das influências vernaculares chinesas.
Os trabalhos das japonesas, portanto, ficariam conhecidos como Kanabungaku (literatura escrita em kana, o idioma "das mulheres").
Murasaki se casou jovem, com pouco mais de vinte anos de idade, com um primo de segundo grau muito mais velho. Mas, depois de ficar viúva, em 1005, ou a servir como dama de companhia imperial a Fujiwara no Shoshi, esposa do Imperador Ichijo, o 66º imperador japonês.
À época, ela já carregava a fama de escritora, e guardava um diário em que descrevia e analisava de forma minuciosa os aspectos do cotidiano de uma mulher nobre do período Heian.
Mas sua obra mais conhecida, possivelmente o primeiro livro do gênero romance narrado do mundo, é aquele que conta a história de Genji, um homem abençoado com beleza, charme e talento "quase sobrenaturais", que desfruta de casos amorosos nos quais encontra, não obstante, uma felicidade apenas ilusória.

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"A história acompanha a ascensão, queda e sucesso final da carreira de Genji, mas foca principalmente em sua vida amorosa e na pompa e nos atempos elegantes da aristocracia", diz a editora Routledge, que lançou o livro, escrito em partes, em sua tradução para o inglês.
"[Na história], Genji está apaixonado por sua jovem madrasta, Fujitsubo, que está grávida de seu filho, mas tenta mantê-lo a distância devido à impropriedade de seu relacionamento. É provavelmente a emotividade de Genji que o tornou querido pelos leitores. O amor era visto como virtualmente incontrolável e incerto e, portanto, inevitavelmente causador de desilusões."
O livro é um retrato, além disso, de como as mulheres japonesas eram destituídas de autonomia, necessitando, por exemplo, comunicar-se "por meio de intermediários", atrás de telas e sem contato direto com os homens.
Hoje um clássico da literatura japonesa, a obra tem mais de 50 personagens, é narrada de maneira fluida e psicológica, e tem um enredo (escrito por partes e distribuído às mulheres da corte imperial japonesa dessa maneira) de cerca de 1100 páginas.
O romance de Murasaki ganhou, em 1987, uma adaptação animada para o cinema, intitulada Murasaki Shikibu: Genji monogatari, roteirizada por Tomomi Tsutsui e dirigida por Gisaburô Sugii.

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Além de refletir conceitos de tradução budista que formavam a cultura japonesa do século 11, com conceitos como o karma, a primazia do renascimento constante nas circunstâncias e a natureza efêmera da beleza, o conto expressa a ideia de anitya (do sânscrito), a impermanência que pera a vida e se tornou uma das doutrinas mais essenciais do budismo. A ideia é explorada através das relações ageiras e frequentemente vazias de Genji, um homem encantador e superficialmente adorado, mas que busca um significado superior e vai encontrá-lo no amor e na devoção.
Em 2001, um filme com um elenco composto apenas por mulheres foi produzido por Tonko Horikawa, intitulado Genji, um amor de mil anos (Sennen no Koi – Hikaru Genji Monogatari), em que a própria Murasaki conta a história de seu romance a uma menina japonesa para ensiná-la sobre os homens.

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