• FIOS E RETALHOS

    Netflix: documentário inspirador revela como a costura transforma vidas nos presídios

    ‘Cela de Costura’ traz reflexão sobre técnicas têxteis como ferramentas de reintegração social e saúde mental nos EUA; conheça iniciativas no Brasil

    Netflix: documentário inspirador revela como a costura transforma vidas nos presídios.‘Cela de Costura’ traz reflexão sobre técnicas têxteis como ferramentas de reintegração social e saúde mental nos EUA; conheça iniciativas no BrasilCréditos: Divulgação Netflix
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    Costurar, tricotar e crochetar são tarefas que envolvem o uso das mãos de forma mais profunda do que apenas tocar em telas e teclas. Para pessoas privadas de liberdade, em presídios ao redor do mundo, essas práticas podem transformar um espaço de punição em um ambiente de escuta e esperança. Cada ponto ajuda a reconstruir vínculos afetivos, a autoestima e a possibilidade de um recomeço.

    A população mundial chegou a 8,2 bilhões de pessoas em maio deste ano (Worldometer) e 11,5 milhões estão presas celas ao redor do mundo (Institute for Crime & Justice Policy Research). A cada 100 mil habitantes do planeta, 140 estão presos.

    Os Estados Unidos ocupam a primeira posição no ranking global de populações carcerárias absolutas, com aproximadamente 1,8 milhão de pessoas privadas de liberdade. Em termos de taxa de encarceramento, registram 541 presos por 100 mil habitantes, o que os coloca na quinta posição mundial. O país representa cerca de 4% da população mundial e abriga cerca de 20% da população carcerária global.

    Nove homens encarcerados nos EUA, no South Central Correctional Center, uma prisão de segurança máxima no Missouri, encontram na costura de colchas uma forma de ressignificar o tempo e a vida. Eles estão no centro da narrativa do documentário Cela de Costura (The Quilters), que estreou no último dia 16, na Netflix.

    Em apenas 33 minutos, o filme mergulha em uma experiência de humanidade e transformação dentro do sistema prisional dos Estados Unidos. Os detentos participam de um programa em que confeccionam colchas personalizadas destinadas a crianças em lares adotivos. Em uma sala sem janelas, transformada em oficina, eles compartilham emoções, histórias e dores enquanto desenvolvem habilidades manuais.

    Iniciativas brasileiras

    O Brasil ocupa a 14ª posição no ranking mundial de taxas de encarceramento, com 390 presos por 100 mil habitantes e tem a terceira maior população carcerária absoluta, com aproximadamente 840 mil pessoas privadas de liberdade, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.

    Diversas iniciativas no sistema prisional brasileiro seguem caminhos semelhantes ao da experiência no Missouri — e uma delas também virou filme. O documentário O Ponto Firme, dirigido por Laura Artigas, conta a história do projeto idealizado pelo estilista Gustavo Silvestre.

    Silvestre ensina crochê a detentos da Penitenciária II Adriano Marrey, em Guarulhos (SP). A iniciativa começou em 2015, com o objetivo de promover a reintegração social por meio da arte e do trabalho manual.

    Ao longo de nove meses, os participantes aprenderam técnicas de crochê e desenvolveram uma coleção de roupas que foi apresentada na São Paulo Fashion Week (SPFW) em 2018. O filme documenta todo esse processo — das primeiras aulas até o desfile final — mostrando as transformações pessoais dos envolvidos e os desafios enfrentados.

    O Ponto Firme foi exibido em diversos festivais internacionais, como o Moving Parts Film Festival, de Los Angeles, e o Berlin Indie Film Festival. No Brasil, teve sessões em espaços culturais e está disponível para streaming no Prime Video.

    Além de São Paulo, oficinas de crochê, bordado e costura têm ganhado espaço em unidades prisionais de outros estados como ferramentas de reintegração social, capacitação profissional e promoção da saúde mental.

    Essas iniciativas reforçam a potência do trabalho manual como instrumento de transformação e dignidade no sistema prisional. No Tocantins, o programa Libert’Arte permite que reeducandos produzam peças artesanais comercializadas para gerar renda e reduzir penas.

    Na Paraíba, o projeto O Outro Lado da Moeda transforma o artesanato em fonte de autoestima e empreendedorismo. No Ceará, as oficinas atuam como política de saúde, com impacto na convivência e no bem-estar psicológico. Já em Sergipe, práticas antes informais agora integram cursos técnicos voltados à reinserção no mercado de trabalho.

    Quilting: a ancestral colcha de retalhos

    Divulgação Netflix

    No novo documentário da Netflix, a técnica têxtil usada pelos detentos é o quilting — que, mais do que simples artesanato, revela-se um instrumento de criação, conexão e cura. Trata-se da costura de várias camadas de tecido para formar um acolchoado. Tradicionalmente, uma colcha de quilting é composta por:

    1. Topo decorativo (muitas vezes feito com retalhos em patchwork);
       
    2. Enchimento (geralmente uma manta ou fibra);
       
    3. Forro inferior (tecido liso que dá sustentação).

    Essas camadas são unidas por costuras — que podem ser simples ou formar desenhos elaborados — criando efeitos tanto estéticos quanto funcionais, como o isolamento térmico.

    O quilting é uma prática têxtil ancestral que combina funcionalidade, expressão artística e identidade cultural. Presente em diversas culturas, ele evoluiu de uma necessidade prática para uma forma de arte e tradição comunitária.

    Nos Estados Unidos, o quilting tem raízes profundas desde o período colonial. Inicialmente, as colchas eram confeccionadas para fornecer calor e isolamento, utilizando retalhos de tecidos disponíveis. 

    Com o tempo, a técnica ou a refletir histórias familiares e eventos históricos. No século XIX, os chamados quilting bees — encontros comunitários para confeccionar colchas — tornaram-se eventos sociais importantes, especialmente entre mulheres.

    Hoje, o quilting é reconhecido como forma de arte e integra festivais e exposições, como o International Quilt Festival, em Houston (Texas), que atrai milhares de visitantes todos os anos.

    Colchas de retalho pelo mundo

    Brasil, Japão e China

    A chamada “colcha de retalhos” transcende fronteiras e nomes, sendo reconhecida globalmente como arte têxtil. Artistas e coletivos utilizam o quilting para explorar temas contemporâneos, identidade cultural e questões sociais. Exposições em museus e galerias destacam a complexidade e a beleza dessas peças, celebrando tanto a tradição quanto a inovação.

    No Brasil, o quilting — popularmente chamado de colcha de retalhos — tem forte presença em comunidades rurais e urbanas. Além de representar o reaproveitamento de tecidos, as colchas são repositórios de memórias familiares e am de geração em geração. Projetos sociais e oficinas têm sido implementados em várias regiões como forma de empoderamento e geração de renda, especialmente entre mulheres.

    Na China, o baijia bei (“colcha de cem famílias”) é feito com pedaços de tecido doados por amigos e parentes como símbolo de proteção e boa sorte para recém-nascidos.

    No Japão, o sashiko é uma técnica de quilting decorativo com pontos geométricos, originalmente usada para reforçar roupas de trabalho.

    Na Índia, destacam-se o kawandi, criado por comunidades como os Siddi, e o kantha, típico de Bengala, que reaproveita tecidos antigos costurados com pontos simples.

    Na Coreia do Sul, o bojagi envolve costurar tecidos em formas abstratas para criar embrulhos reutilizáveis, usados tanto no cotidiano quanto em cerimônias.

    No Paquistão, as colchas ralli, feitas com padrões geométricos vibrantes, são parte das tradições locais e usadas em casamentos e celebrações.

     

     

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