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Eric Hobsbawm: o que o historiador marxista alertou sobre Trump

Nos anos 1990, o estudioso acendeu o sinal de alerta para os riscos da ascensão da extrema direita no mundo e nos EUA

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Jornalista que atua em Brasília desde 1995, tem experiência em redação, em comunicação corporativa e comunicação pública, em assessoria de imprensa, em produção de conteúdo, campanha política e em coordenação de equipes. Atuou, entre outros locais, no Governo Federal, na Presidência da República e no Ministério da Justiça; no Governo do Distrito Federal, na Secretaria de Comunicação e na Secretaria de Segurança Pública; e no Congresso Nacional, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
Eric Hobsbawm: o que o historiador marxista alertou sobre Trump
Eric Hobsbawm: o que o historiador marxista alertou sobre Trump. Nos anos 1990, o estudioso acendeu o sinal de alerta para os riscos da ascensão da extrema direita no mundo e nos EUA. Fotomontagem (Divulgação e Casa Branca)

Eric Hobsbawm (1917–2012) foi um dos historiadores mais influentes do século XX. Marxista declarado, destacou-se pela capacidade de interpretar com profundidade os grandes processos históricos, especialmente aqueles ligados ao capitalismo, aos movimentos sociais, às revoluções e ao nacionalismo. Seu estilo combinava rigor acadêmico, narrativa ível e forte engajamento político.

A partir dos anos 1990, com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o colapso da União Soviética em 1991, Hobsbawm ou a alertar para os riscos do vazio ideológico deixado pelo fim da Guerra Fria. Obras como A Era dos Extremos (1994) e Globalização, Democracia e Terrorismo (2007) anteciparam com lucidez a ascensão da extrema direita em várias partes do mundo.

No caso específico dos Estados Unidos — hoje (des)governado pelo extremista Donald Trump — o historiador observava que o declínio das alternativas progressistas contribuiu para o avanço de ideologias radicais de direita. Segundo Hobsbawm, essa extrema direita estadunidense se alimenta da exclusão social, da precarização do trabalho e do medo diante das transformações culturais e demográficas do país.

Ele identificava, ainda, elementos profundamente enraizados na história dos EUA como fatores agravantes: o individualismo extremo, o populismo religioso, a tradição de milícias armadas e a desconfiança crônica em relação ao governo federal. Para Hobsbawm, a aliança entre neoliberais e fundamentalistas cristãos formava uma combinação particularmente tóxica — uma anomalia histórica com potencial de corroer os pilares da democracia liberal.

Hobsbawm e o trumpismo

À luz da obra de Hobsbawm, é possível interpretar criticamente o atual governo Trump como expressão de uma crise profunda da ordem liberal global.

Embora o historiador não tenha escrito diretamente sobre o presidente extremista, suas análises sobre o nacionalismo, a erosão das democracias e o uso político do medo ajudam a compreender o fenômeno do trumpismo como parte de uma tendência mais ampla de retorno ao autoritarismo em tempos de globalização em colapso.

Nacionalismo excludente como resposta à crise

Para Hobsbawm, o nacionalismo — especialmente em sua forma étnica e identitária — é uma das forças mais destrutivas do mundo moderno, capaz de desagregar Estados e minar a coesão social.

O slogan “America First”, os ataques sistemáticos à imigração e à imprensa, e a constante mobilização simbólica de uma identidade branca, cristã e rural revelam, no trumpismo atual, um nacionalismo reativo e anacrônico. Não se trata de um retorno às origens da nação, mas de uma tentativa de se proteger de um mundo cada vez mais interdependente e desigual.

A democracia liberal em declínio

Hobsbawm já alertava, em A Era dos Extremos, que a democracia liberal entraria em colapso caso deixasse de garantir segurança social e material. A perda de credibilidade das instituições, o avanço da desinformação e o crescimento da desigualdade tornaram o solo fértil para formas de autoritarismo eleitas democraticamente.

Agora, em 2025, o desprezo de Trump pelo Judiciário, as ameaças a juízes da Suprema Corte e a politização de agências federais exemplificam essa erosão institucional. Para Hobsbawm, esse processo revela a fragilidade do modelo liberal diante das pressões do capital financeiro e da manipulação midiática.

O medo como estratégia de dominação

Hobsbawm destacou que o medo — do terrorismo, da insegurança econômica, da perda de identidade — é uma das armas mais eficazes do autoritarismo.

No governo Trump, esse medo é constantemente estimulado por meio da retórica anti-China, da demonização da esquerda progressista (“woke left”) e da fabricação de inimigos internos, como jornalistas e professores. O discurso de “restaurar a ordem” diante de um caos muitas vezes imaginário substitui a política racional por reações emocionais, polarizadas e violentas.

Populismo neoliberal: contradição explosiva

Outra chave de leitura de Hobsbawm é a contradição entre o nacionalismo autoritário e o neoliberalismo econômico. Embora Trump prometa defender o “trabalhador estadunidense”, suas políticas favorecem grandes corporações, enfraquecem sindicatos e reduzem tributos para os mais ricos.

Hobsbawm via nessa contradição uma armadilha: ao alimentar expectativas populares enquanto aprofunda a desigualdade, o populismo de mercado gera frustração, instabilidade e, muitas vezes, violência social.

Um autoritarismo do século XXI

A atual configuração do trumpismo pode ser entendida como uma forma moderna de autoritarismo nacionalista, que se alimenta de uma globalização em crise, da desigualdade estrutural crescente, da deslegitimação das instituições democráticas e de uma política midiatizada baseada em símbolos e afetos.

A análise de Hobsbawm continua sendo uma bússola crítica indispensável para compreender o presente — e para imaginar alternativas possíveis a um futuro cada vez mais ameaçado pelo retrocesso político e pelo medo organizado.

Obras em que Hobsbawm comenta a extrema direita nos EUA

A Era dos Extremos (1994)

Reprodução Amazon

No capítulo final, “O Século do Excesso”, Hobsbawm discute o crescimento do fundamentalismo religioso e da política de identidade nos EUA, ligando-os ao declínio do papel do Estado de bem-estar social e à fragmentação cultural da era neoliberal. Ele alerta para o ressurgimento de ideologias regressivas, como o nacionalismo xenófobo e o chauvinismo étnico, com manifestações particularmente intensas nos EUA após o fim da Guerra Fria.

Artigos e entrevistas pós-11 de Setembro

Hobsbawm alertava para o nacionalismo agressivo e a tendência ao autoritarismo mascarado de patriotismo nos Estados Unidos, especialmente após os atentados de 2001. Ele criticava a retórica moralista e maniqueísta do governo Bush, afirmando que o anticomunismo havia sido substituído por uma cruzada contra o “mal”, o que alimentava movimentos de extrema-direita nacionalista no interior do país.

Globalização, Democracia e Terrorismo (2007)

Reprodução Amazon

Nesta coletânea de ensaios, Hobsbawm observa que, em tempos de crise e insegurança, é comum o crescimento de forças políticas autoritárias e reacionárias. Nos EUA, ele identifica a ascensão de correntes fundamentalistas cristãs e populistas ultraconservadoras, especialmente nos estados do Sul e do interior.

Trechos de Hobsbawm para entender a extrema direita nos EUA

Nacionalismo e neoconservadorismo

“Às vezes, regimes profundamente comprometidos com o laissez-faire econômico eram também visceralmente nacionalistas e desconfiados do mundo exterior. O historiador não pode ignorar que essas duas posturas são contraditórias.”
(Globalização, Democracia e Terrorismo)

Crise das instituições democráticas

“O derramamento das democracias étnico-nacionais... multiplicou o que hoje conhecemos como ‘vírus fatal da democracia’.”
(A Era dos Extremos)

Embora o trecho se refira ao pós-Primeira Guerra, Hobsbawm sugere que o nacionalismo étnico pode corroer a coesão democrática — um alerta pertinente ao clima político americano contemporâneo.

Política do medo e populismo

“A globalização pode agravar as condições que alimentam o terrorismo. Desigualdade econômica, instabilidade política e crises identitárias criam terreno fértil para movimentos autoritários.”
(Globalização, Democracia e Terrorismo)

Essa análise aplica-se diretamente à ascensão de correntes populistas ultraconservadoras nos EUA, que prosperam em contextos de insegurança e medo.

Hobsbawm via a extrema direita estadunidense como parte de uma tendência global que combina neoliberalismo radical, nacionalismo étnico, fundamentalismo religioso e uso do medo como ferramenta política.

Embora não tenha se dedicado especificamente aos movimentos contemporâneos nos EUA, seu arcabouço teórico permanece essencial para compreender os riscos que ameaçam a democracia no século XXI.

 

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